09/05/2010 | Giorgio Trucchi | Tegucigalpa/Tocoa
Ao longo de sua história, Honduras viveu vários processos de reforma agrária. Golpes de Estado cívico-militares pontuais e leis ad hoc restabeleceram o status quo a favor dos grandes proprietários de terras no país centro-americano. A luta do Movimento Unificado Camponês do Aguán (MUCA) veio para interromper esse ciclo.
O setor agropecuário de Honduras contribui com 26% a 28% do PIB (Produto Interno Bruto) e, segundo dados do Banco Mundial e da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), mais de um terço de seu território é constituído de terras cultiváveis e pastos. Honduras é o segundo da região na relação entre terras cultiváveis e população (cerca de 0,28 hectares por habitante), perdendo somente para El Salvador.
Giorgio Trucchi/Opera Mundi
Paisagem típica da região do Baixo Aguán, centro de atuação do MUCA
Apesar da grande disponibilidade de terra e da elevada intensidade de mão-de-obra para a atividade agrícola, sobretudo nos cultivos de exportação (banana, café, carne, laticínios, açúcar e óleo de palma), 300 mil famílias – cerca de 1,5 milhão de pessoas, representando mais de metade da população rural – continuam sem acesso à terra, enquanto outras 200 mil possuem apenas uma área entre um e 3,5 hectares, segundo a SARA (Aliança pela Soberania Alimentar e a Reforma Agrária 2009).
A situação leva um país enormemente rico em recursos naturais a ter altos níveis de pobreza e pobreza extrema. Segundo um informe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada da Pobreza Rural, a população hondurenha no campo vive em média com um dólar por pessoa por dia, e menos de 30% vivem em lares cuja renda supera esse valor.
Continuação da reportagem:
Camponeses hondurenhos perdem o controle das terras nos anos 1990
Após acordo com governo, hondurenhos querem reforma agrária "integral"
Quase metade da população rural vive com renda diária inferior a 50 centavos de dólar e cerca de 25% ganham menos de 25 centavos de dólar por dia. A renda média dos 20% mais ricos da população das áreas rurais é quase 30 vezes maior que a renda dos 20% mais pobres.
O informe diz ainda que 2,8 milhões de hondurenhos da área rural vivem com uma renda abaixo da linha da pobreza. Este grupo representa mais de 75% da população rural e mais de 70% dos pobres do país todo.
Outro fator que afeta consideravelmente a qualidade de vida da população rural é a progressiva transição da produção de grãos básicos à produção de cultivos de exportação, acompanhada por uma desproporcional concentração de terras em poucas mãos, o que tem comprometido seriamente a segurança alimentar de milhares de famílias.
Honduras deixou de ser um dos maiores produtores de grãos básicos da América Central – durante os anos 1970 – para produzir metade de suas necessidades. A cada ano há um déficit de mais de 500 mil toneladas de milho e o país tem de importar 10 mil toneladas de feijão e 25 mil toneladas de arroz, segundo a SARA.
Os processos de reforma agrária
A redistribuição das terras e o acesso ao crédito, a capacitação para produzir alimentos básicos, além de condições trabalhistas que respeitem as leis nacionais e os convênios internacionais sobre o trabalho digno, têm sido os eixos principais das lutas empreendidas pelas organizações camponesas nas últimas décadas.
Não obstante, o poder econômico, político e militar sempre tratou de sufocar com o uso da força qualquer tentativa de modificação do status quo no país, como conta o porta-voz do MUCA, Wilfredo Paz. "Houve momentos na história de Honduras em que os governos procuraram promover políticas que favoreciam o campesinato. No entanto, todos foram alvos de golpes de Estado", explicou ao Opera Mundi.
"Entre 1960 e 1970, os governos de Ramón Villeda Morales e Ramón Ernesto Cruz trataram de impulsionar projetos de reforma agrária, mas sofreram golpes de Estado que impediram o processo", disse Paz. "Foi a partir de 1970 que o Estado, por meio do INA [Instituto Nacional Agrário], começou a promover um programa de migração induzida para transferir camponeses, especialmente do sul do país, a zonas despovoadas do Atlântico hondurenho, sobretudo na região do Baixo Aguán. Carregavam as pessoas em caminhões e as deixavam nestas zonas para que começassem a apropriar-se das terras e explorá-las".
O diretor-executivo em Honduras da FIAN (Food First Information & Action Network), Gilberto Ríos, explicou ao Opera Mundi que "o governo reformista surgido em 1972 intensificou o processo de colonização, sempre com forte financiamento externo e a contrapartida de recursos próprios. O Estado construiu estradas e vias secundárias, sistemas de drenagem, barragens de contenção de inundações, escolas, centros de saúde e outras instalações com finalidades econômicas e sociais".
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Wilfredo Paz conta que o fato de camponeses se transformarem em empresários incomodou muita gente
"A região era tão inóspita na época que, nos primeiros anos, muitos dos assentados migraram para outras regiões do país, obrigando o Estado a manter o programa de migração induzida por mais tempo que o previsto", continuou Ríos. "Finalmente, o Estado conseguiu enraizar uma importante população que se dedicasse ao trabalho produtivo em um projeto de dimensões tão grandes. Deve-se ao Estado, portanto, o estabelecimento de todos os fatores produtivos nesta área: terra, capital e força de trabalho".
Este esclarecimento da FIAN Honduras é muito importante, já que os principais latifundiários nacionais e as companhias transnacionais que detêm a maior parte das terras na zona do Baixo Aguán continuam justificando seu poderio econômico com o argumento de que foram eles que fomentaram o desenvolvimento econômico e social da região, o que não corresponde à verdade.
"Com o tempo", explicou o diretor-executivo da FIAN Honduras, "os novos colonos tomaram posse da terra e os grupos de camponeses se consolidaram. Este foi o auge das organizações de camponeses e dos benefícios para eles. Como no restante do país, os assentamentos do Aguán deveriam constituir cooperativas, empresas associativas ou qualquer forma de organização societária na qual os camponeses, transformados em empresários, conseguissem ser competitivos e assim evitar que a propriedade concedida pelo INA se concentrasse novamente em mãos de latifundiários e empresários rurais, como resultado da circulação mercantil".
O processo de reforma agrária teve seu auge entre 1973 e 1977, período em que, com a aprovação de uma lei específica e vários decretos, foram distribuídos 120 mil hectares. Ao longo de três décadas, foram concedidos 409 mil hectares, que correspondem a 12,3% das terras cultiváveis do país, beneficiando um total de 60 mil famílias camponesas - que, naquele momento, representavam 13% das famílias rurais.
Lei de Modernização Agrícola: o retorno ao latifúndio
"Ao perceber que os camponeses se transformavam em empresários, os latifundiários, a elite hondurenha e as companhias transnacionais passaram a considerá-los uma séria ameaça", disse Wilfredo Paz. "Foi por isso que, em 1992, durante o governo de Rafael Leonardo Callejas e no marco dos Acordos de Ajustes Estruturais promovidos pelos organismos financeiros internacionais, foi promulgada a Lei de Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola, com a qual os empresários voltaram a formar o latifúndio".
Por meio de várias artimanhas e diversas interpretações dessa lei, os latifundiários tiveram a chance de ampliar suas propriedades, com ou sem o consentimento do Ministério de Agricultura e Pecuária.
"Começou uma verdadeira caçada para que os dirigentes das organizações camponesas vendessem a terra", explicou Paz. "Teve início a corrupção, já que essas terras da reforma agrária não podiam ser vendidas a particulares, pois não eram consideradas uma mercadoria. A única forma de livrar-se das terras era vendê-las e devolvê-las ao INA, para que a instituição as entregasse novamente a outros camponeses."
Em seu artigo "O caso MUCA, a reforma agrária e o neoliberalismo", Gilberto Ríos se aprofundou no tema: "Modificações burocráticas irregulares, corrupção de dirigentes camponeses e funcionários do INA, assim como pressões da própria Diretoria Executiva dessa instituição, para que as empresas camponesas vendessem suas terras a grandes empresas ou entrassem em convênios de investimento conjunto, completaram as condições propícias à venda de terras".
Para os camponeses sem terra e minifundiários, perdia-se a esperança do acesso a terras produtivas em quantidade e qualidade suficientes para transformá-los em produtores por conta própria. A privatização dos poucos serviços de crédito, assistência técnica, capacitação e assessoria para a comercialização oferecidos gratuitamente pelo Estado foi o golpe final.
Giorgio Trucchi/Opera Mundi
Gilberto Ríos: "O ajuste estrutural neoliberal foi catastrófico para o setor camponês"
"E se faltavam recursos financeiros", esclareceu Ríos, "ali estavam os organismos de financiamento internacional, como o Banco Mundial, dispostos a conceder empréstimos aos grandes empresários para que comprassem terras de produtores afundados em dificuldades financeiras".
A nova estratégia para criar um modelo centralizador da propriedade acabou favorecendo as grandes empresas e grupos privados agropecuários. Foi assim que aqueles que dispunham de mais possibilidades de acesso a recursos financeiros se tornaram os proprietários das melhores terras do país.
Em apenas três anos, mais de 15 mil hectares de terras férteis na Costa Atlântica voltaram às mãos das duas companhias bananeiras norte-americanas, Standard Fruit (Dole) e Tela Railroad Company (Chiquita - antiga United Fruit Company), que no começo do século passado haviam monopolizado milhares e milhares de hectares na Costa Norte. O mesmo ocorreu com os três principais latifundiários da zona, Miguel Facussé, René Morales e Reinaldo Canales, que começaram a promover de modo extensivo o cultivo da palma africana, para a produção de óleo de palma e derivados e, mais recentemente, de biocombustíveis.
"Durante mais de 20 anos (1970-1990), os grandes produtores do Baixo Aguán foram em sua quase totalidade as empresas camponesas. A região se transformou em um dos centros produtores mais importantes do país. O ajuste estrutural neoliberal foi catastrófico para o setor camponês e a pequena e até mesmo para a média produção, indefesos diante dos grandes empresários nacionais e transnacionais", concluiu Ríos em seu artigo.
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Fonte: Opera Mundi
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